…Vivi de olhos postos nas ondas. Em qualquer época do ano, a qualquer hora do dia ou da noite, olhar o seu movimento, ouvir-lhe o sussurrar ou o estoirar contra os rochedos era a forma mais milagrosa que encontrara para esconjurar os maus presságios e os medos que surgem atrás da porta e nos sobressaltos da vida…
(in ‘Deus, o Diabo e Eu’)
Sim Saskia, ao ver nas suas telas, as cores, os enlaces, as expressões silenciosas das águas revoltas ou calmas a emergirem como numa oração ou num grito, agradeço-lhe.
E confesso que ainda hoje me interrogo sobre uma dúvida de berço; porque é que Deus está no Céu e não no Mar?
O Mar dá-nos lições a todo o momento. Tarde ou cedo sempre devolve o que não lhe pertence. Diz -nos e ensina -nos até onde podemos e devemos ir. Quando se zanga surge enraivecido como um monstro assustador, mas quando nos quer acalmar brilha nos reflexos e abraça-nos depois nos requebros lânguidos das ondas quando se espraia numa dança impar, num bailado ensaiado desde sempre sob uma música única.
É por isto que quem ama e respeita o mar reza sem o saber, a um Deus de que ninguém fala.
E todo o mar tem ondas, como a terra tem sol e o homem amor.
Luís Pereira de Sousa